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Desculpas pelas Quais

Imagem de capa da exposição Desculpas pelas Quais

Sobre

Julho de 2021

Onde se aproxima a produção de um artista que, em acrílica, descreve um mundo o qual vibra em abundância e excesso, do trabalho de outra que, em tinta óleo, estabelece cenas com o medular das coisas banais?

Creio ser prudente evidenciar que, embora expondo pela primeira vez em um mesmo contexto, este não seja o início do convívio entre Heitor Dutra e Marcela Dias. Talvez esta informação não baste, e haja a necessidade de se complementar que fora com Heitor, em 2017, que Marcela tenha experimentado o giz pastel oleoso, material importante para uma investigação que viria a ganhar ainda mais corpo na sua pintura, poucos anos depois. Quiçá isso não seja o suficiente: valha também sobrevoar a estadia de Marcela em 2021 no ateliê coletivo Pangeia, onde Heitor é residente – e como esse ponto adensou o diálogo entre os dois, que já vinham cultivando um afeto manifestado na intimidade de seus ofícios.

Tendo essa específica proximidade em vista, porventura possamos cogitar que os contrastes entre os temas das imagens nesta interlocução sejam uma pista falsa ou, ainda melhor, apenas uma das desculpas para pôr esses dois processos em perspectiva. Outra hipótese seria pensarmos como os artistas estabelecem o que pintam a partir das suas sensibilizações cotidianas e, consequentemente, como acabam aprofundando essas sensibilidades por meio do que já transpõem para a pintura. Como imaginar suas personalidades levando em conta os trabalhos aqui cruzados? Como rever os trabalhos aqui cruzados suspeitando agora de suas personalidades?

Outros pressupostos seriam um pouco mais ousados se acreditássemos que uma intensa conversa entre os artistas se estendeu durante a feitura das obras aqui expostas. O que comentaram quando a atmosfera pintada foi acrescida de palavra ou desenho? Será que falaram sobre as variações nos tratamentos de tinta das figurações em tela? Em seus trabalhos, ambos estabelecem transversalidades à representação através de procedimentos que se sofisticam quando desconfiamos que suas pinturas são uma conjugação de interesses tão verticalizados nesta linguagem que acabam por tensioná-la sutil e contundentemente.

O que mais podemos especular a partir deste diálogo? Fica o convite para dar meia-volta e inventar desculpas pelas quais estar junto a estas duas pesquisas pintadas.

Guilherme Moraes
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Como se permitir ao diálogo através da expressão da pintura, quando o ambiente proposto se apresenta em forma subjetiva de tempo e a única maneira possível de se comunicar é através de um jogo de conjugações de imagens dispostas a demarcarem um momento, lugar ou tempo?

Desculpas pelas quais se edifica por um exercício contínuo de relacionamentos, a começar pelas duas paredes que refletem o eixo de entrada e saída da mostra num lilás flor-de-gerânio, cor de família tonal presente nos trabalhos de ambos os artistas. Essa relação sustenta as boas-vindas com duas obras geradas a partir da troca feita por Marcela e Heitor ao dividirem ateliê e processos artísticos, que resultou, inclusive, numa parcela considerável de trabalhos aqui expostos.

As paredes assumem um lugar de entidades ao tentarem erguer o diálogo entre os trabalhos, tensionando e expandindo os espaços. Bordas infinitas e quebra de centralização – como o enfileiramento de obras que atravessam as quinas – são alguns dos elementos dispostos com o intuito de sustentar a relação iminente de aproximação.

Uma busca por exibir produções que refletem uma investigação comum ao universo pictórico dos artistas, abrindo intimidade numa peregrinação sobre o estudo do desenho sendo prolongado pela pintura: Marcela partindo da carne e volume, condensando a experiência do cotidiano em constante estado de desintegração marcada pelo tempo; Heitor subvertendo os princípios de ornamento, partindo da superfície e transpondo tudo o que lhe atravessa, sendo orientado por um jogo que brinca com uma espécie de taxonomia, em planos fantásticos amarrados por uma aleatoriedade consciente.

Mesmo com as diferenças visuais apresentadas num primeiro momento, é perceptível a conexão entre os dois processos. Conexão essa que os coloca em constante transposição de fuga pela imanência. Talvez uma desculpa para pintar o espaço entre as coisas, permitindo-nos olhar o mundo através da pintura.

Desculpas pelas quais é, então, uma das formas de aprendermos a lidar melhor com o tempo.

Steve Coimbra

Jazzz Agência Digital