Born To Be Loved
Sobre
Setembro de 2022
Cada vez mais, os processos de comunicação têm sido mediados por telas e aparelhos digitais. Para se apresentar nessas superfícies, no entanto, parece não bastar mais ter acesso a esses dispositivos e deixar livre a decisão sobre quando e como se quer exibir algo através dessas mídias. Com o intuito de desempenhar as demandas que os usuários ou os algoritmos das redes ditam, um intenso ajuste de ângulos, numerosas situações elaboradas com antecedência, além da procura por “melhores” poses diante de câmeras de smartphones – que ficam obsoletos velozmente – e dos usos de aparatos de edição para frear resultados indesejados nesses arquivos.
Nas 15 telas que compõem a exposição Born to be loved, a artista pernambucana Gio Simões apresenta um olhar crítico sobre a vaidade excessiva, a partir dos modus como essa prática vem se materializando na contemporaneidade. Seja nos feeds das redes sociais, mas também na vida fora das telas, um hiato entre o que de fato se é e o que se deseja externalizar através das plataformas, parece tornar-se evidente. Demonstrando um domínio técnico rigoroso, que compõe a identidade de seu trabalho, Gio Simões apresenta sete pinturas a óleo e em acrílica e oito trabalhos desenvolvidos no suporte digital, evidenciando a ampliação de caminhos expressivos da artista, mas também considerando o campo virtual como espaço de reelaboração e reapropriação semântica.
Ao longo das telas, os pavões seriam alegorias de personas que figuram as redes sociais e as teias da sociedade, cujo consumo se apresenta enquanto maneira de representar histórias que cada um deseja associar a si – pensando que, em uma sociedade regida pela lógica do capital, nem todos podem acessar certos bens, marcas e objetos, portanto acessar certas narrativas ligadas a esses produtos – e também enquanto clave de legitimação de entrada a certos espaços.
Em Born to be loved, como o próprio título da série sugere, figuram personagens cuja busca pela validação se dá de maneira patente e chega a reger parte de suas escolhas e ações – na preferência dos pavões, aliás, esse reconhecimento deve vir na forma de milhares de likes, como certificado do sucesso. Doses de humor circunscrevem as telas, enquanto recurso que potencializa o viés crítico capaz de provocar sobre os valores dados a um ideal de beleza propagado pelas redes. Além de narrativas entre os personagens e seus perfis no Instagram, os celulares, esses dispositivos capazes de editar (distinguir o que deve aparecer e o que não), postar (exibir para a validação do público) e dar ou receber likes (demonstração de entusiasmo ao que fora apresentado), aparecem nas mãos de muitos deles. Não somente nas deles, mas nas nossas também.
Erika Muniz
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“Setembro amarelo, viu?! Eu tô falando, esse mês…”
Damos abertura à Born to be loved, exposição individual da artista pernambucana Gio Simões. Na era da cultura digital bombando, surge como extrema necessidade a compreensão dos conteúdos, intenções e valores que derivam do ciberespaço. O que jorra das telas, modificando personalidades, alterando níveis de dependência e gerando aquela bagunça gostosa em nossas conexões de dopamina…
Cabeças de pavão surgem para representar corpos vazios. Esses que se esforçam para esconder – ou subscrever – a nebulosidade interna camuflada pela construção do cenário ideal para a tão esperada curtida ou comentário, validando que a vida exposta é, de fato, “emocionante”. Afinal, buscamos o impacto das emoções e estamos viciados em estímulos instantâneos. Estamos vivos. E viver é ser percebido.
No flow de um feed do Instagram, o espaço expositivo se propõe a um campo alegórico cômico, concebendo o berço da falsa vida perfeita num jogo virtual que tenta acompanhar essa transfiguração de personalidades. Deslocando o espectador para uma agradável zona de conforto de julgamento do outro, mas que mantém a sua própria personalidade preservada.
As pinturas das primeiras sessões da exposição nascem do digital, passam para o plano físico no processo de impressão e, em seguida, retornam para a digitalidade. É a realidade aumentada como recurso que ratifica a proposta do mundo tangível em diálogo com o virtual, expandindo novas leituras e possibilidades através da tecnologia. Uma investigação do plano da pintura em função de ampliar a experiência física da arte.
Apontem os seus celulares para os QR codes e aproveitem a experiência. Até onde ela fala sobre nós mesmos?
Steve Coimbra