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Diálogo Fugidio

Imagem de capa da exposição Diálogo Fugidio

Sobre

Agosto de 2023

Esta exposição está debruçada sobre o diálogo enquanto matéria, explorando este tecido vasto em meio às suas facetas lacunares e inapreensíveis. Costurando o encontro ao desencontro neste espaço-tempo, os trabalhos de Abiniel João Nascimento, aoruaura, Thaes Arruda e Véio são postos em interlocução com obras de Brígida Baltar, John Baldessari e Grupo Urucum, componentes do acervo de videoarte da Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ). 

O exercício curatorial proposto esteve atento ao desejo daquilo que é turvo, do entremeio que a arte pode suscitar por sua natureza poética, a mescla entre ser humano, animal e existências outras, de ímpeto por transcendência – atrelada à complexidade de uma não negação do mundo terreno –, de esgarçamentos entre ensino, aprendizado, informação, experiência e representação. Quais são as nossas expectativas de inteligibilidade dentro dela? Como remodelá-las diante da ideia de compreensão de uma proposta de arte, de uma mostra, do outro?

Há uma proposição de leitura: os trabalhos são reunidos aqui por sua matéria, suas camadas mais densas e mais superficiais entrelaçadas para uma costura por vezes falha, mas que se propõe a potencializar o estado nu de cada elemento, afastando-os de qualquer reconhecimento através de estigmas coloniais. Sendo assim, observamos tentativas, caminhadas em errância, uma fuga de uma unicidade. Cada artista dialoga com diferentes forças, destacando uma verdadeira multiplicidade de formas ao se colocar em relação, o status de outro é por vezes confundido, pois se apresenta de modo difuso ao encontrar e  celebrar as diferenças.

A capacidade de subjugação herdada do pensamento filosófico europeu do início do século XVIII, nos reforça a ideia da quantidade de diálogos extraviados, que foram interrompidos, violentados. A diferença nem sempre foi referida, como nos ensina Édouard Glissant, mas ela continua, através dos lastros da colonialidade, a traçar fronteiras.

Os trabalhos tornam-se confluentes, criam distintos alfabetos que revelam novos léxicos possíveis, transcendendo o mero sentido semântico, já que, se assim fosse, estariam traindo a linguagem.

Eles são, antes de tudo, uma reflexão sobre o coletivo e os espaços onde praticamos o ato de relacionar-nos, ou seja, aquilo que é fundamental para a nossa existência. Não representam respostas, mas sim aspirações e contrapontos na observação de um estado moldado por códigos morais e enraizado em uma língua de dominação. A gramática universal serve como tática de colonização, capturando gestos e estratégias, um modus operandi que não cessou em 1500, mas continua a se perpetuar através da cultura estabelecida.

Em 1498, Ramon Pané escreveu o primeiro livro nas Américas, e o intitulou “Relación”. Não é difícil conceber a estrutura dessa relação, o princípio de apagamento e submissão que o autor europeu exercia ao traduzir o que ocorria do outro lado do Atlântico. Haveria um interesse nesta escuta sem um processo de subjugação? Quantas vezes a violência nasce quando não conseguimos existir com algo que nos é desconhecido? Acreditamos que essa falta de escuta foi transmitida, entre outras características, ao nosso alfabeto cotidiano, o português. Sanfonado pelo “pretoguês”parágrafo 7, como nos dizia Lélia González, e por tantas outras línguas originárias presentes neste território brasis. Entre muitos dialetos neste território, os quando falados por grupos dissidentes ecoam como inscrições, não são balbuciados sem o seu poder de irradiação e vibração; soam como evocações. E então, como podemos sentir o que transmitimos e recebemos? Insistimos que as palavras não viajam sozinhas. São gestos, corpos, danças e imagens. É por isso que transmutam-se em poesia dançada. É um eco de uma consciência que se propaga entre caminhos que tecem encantamentos, enquanto fazem e desfazem feitiços. Quando se dança, deixa-se uma marca no chão, e, dependendo do solo, o desenho inscrito se torna mais nítido. A marca composta por cada movimento é uma constelação, uma interpretação do mundo.

O panorama artístico aqui apresentado revela uma tapeçaria rica e diversa de abordagens, influências e poéticas que refletem a multiplicidade das expressões artísticas contemporâneas. Ao cruzarmos os trabalhos de Abiniel João Nascimento, aoruaura, Brígida Baltar, Grupo Urucum, John Baldessari, Thaes Arruda e Véio, emergem conexões que abordam a essência da identidade, transformação e interconexão.

Parecia não haver outros caminhos além de compartilharmos entre nós tecnologias. Abiniel João Nascimento, com sua atuação transdisciplinar, traz à tona questões de memória, indigeneidade e mestiçagem, enquanto aoruaura, por meio de metamorfoses e transmutações do corpo, nos faz refletir sobre a fluidez das fronteiras do eu.

A poética de Brígida Baltar, que combina o tangível e o intangível, encontra ressonância no Grupo Urucum, cuja trajetória é marcada por uma fusão entre consciência artística e intervenções urbanas, refletindo a coexistência da tradição com o contemporâneo. John Baldessari, com seu jogo entre rigor e humor, une-se a Abiniel João Nascimento ao enfatizar a interação entre imagens e linguagem, retirando-as de uma dicotomia.

Thaes Arruda, por sua vez, nos conduz a uma jornada pela sensibilidade das formas e movimentos, onde o fazer têxtil evoca uma dança entre gestos e cores, um convite para os espaços de pausa e vigor. Finalmente, Véio transcende a fronteira entre o popular e o artístico por meio de esculturas que amalgamam tradição com cores vibrantes e figuras híbridas, desafiando nossas expectativas sobre o que é familiar.

Em um mundo cada vez mais interconectado, essa tessitura de vozes e visões nos convida a repensar nossas noções de fronteiras e conexões, celebrando a complexidade da experiência interespécies através das diversas lentes poéticas apresentadas aqui. Essas poéticas nos inspiram a valorizar a errância e a escapar de um mundo que busca uniformidade em suas ações e pensamentos.

Tendo a Garrido como território para esses encontros e desencontros, a mostra Diálogo fugidio, exercício de experimentação curatorial e de expressões artísticas entrelaçadas, busca estreitar as fronteiras para o desenvolvimento de um futuro coletivo. Costura um debate cultural premente de encontros de nosso tempo através das múltiplas linguagens, provendo um locus de vida e produção de subjetividades, de pulsão e energia, para que assim a arte não exista no vácuo, e sim aconteça sempre em ponto de contato com o outro.

Jazzz Agência Digital